20 de nov. de 2011

(Des)Encontro


Noite de sábado. Ela estava sozinha, levemente embriagada e confusa, após tomar um vinho e refletir sobre sua vida, nesse raro momento de descanso. Pensando na rotina cansativa que recomeçaria impreterivelmente na segunda-feira, não fizera planos, estava exatamente onde queria estar, embora não pudesse sentir-se assim em quase nenhum momento.
Contemplava as poucas estrelas no céu, deitada na rede da varanda, quando a campainha irrompeu a quietude. Levantou-se e praguejou mentalmente, perguntando-se quem apareceria sem aviso prévio às dez horas da noite em seu apartamento e esperou que não fosse um assassino em série.
Abriu a porta e deparou-se com um velho amigo. Não que ela tivesse idade para estar utilizando tais nomenclaturas, uma vez que ambos ainda eram bastante jovens (ao menos em relação à idade), mas, nos dias de hoje, com a intensidade de sentimentos e atividades, as pessoas esquecem com rapidez o que outrora lhes parecia imprescindível.
Aprendem a deixar de conviver com pessoas que, de alguma forma, imprimiram marcas em suas vidas. Assim, convém atribuir o termo para designar uma amizade que não mais pertencia ao seu cotidiano, embora tivesse sido importantíssima em outra época. Também convém explicar motivo daquela visita.
Há três anos haviam se conhecido, por intermédio de amigos em comum. Ela ficara impressionada com sua maneira inteligente de se comunicar e fazer graça, sendo sério e descontraído nos momentos certos. Ele atentara para aquela garota pequena e mais nova que, em contraste, parecia ter uma maturidade do dobro do seu tempo de vida.
Menos de um ano depois, ele foi morar em outro país, em viagem que planejara por muitos anos antes de conhecê-la e já estava na iminência de acontecer quando se envolveram. Ela se dedicou com empenho às oportunidades que surgiram sucessivamente na sua vida e que a fizeram começar a utilizar uma agenda de compromissos (e correr contra o tempo para cumpri-los).
Para encurtar o relato, impressionaram-se mutuamente, viveram bons momentos e seguiram seus caminhos anteriormente estabelecidos, com palavras descontraídas sobre manterem contato. Não houve a carga de drama comum às histórias românticas e literárias sobre despedidas.
Cerca de dois anos depois da última vez que se viram, lá estava ele na sua porta. Chegara quase intuitivamente, uma vez que não se recordava com clareza do endereço muito menos do número do apartamento. Ele focara tanto em chegar até lá que, quando conseguiu, se deu conta que não tinha planejado nada para dizer. Não precisou. Abraçado calorosamente e sem nenhum tipo de pedido de explicação, foi convidado a entrar e, em segundos, já se sentia à vontade.
Abriram a última garrafa de vinho, que parecia ter se resguardado para aquele momento e trataram de resumir, em algumas horas, suas vidas nos últimos anos.
Ele contou as idiossincrasias da viagem, as saudades que tivera dali – de barulho de ventilador e uma boa rede – e mostrou-se satisfeito com a conjuntura atual de sua vida, mesmo que o futuro lhe parecesse incerto e desafiador. Ela relatou o encaminhamento profissional e suas inseguranças em relação a isso e ele exibiu uma confiança contagiosa no seu talento e  lhe deu conselhos preciosos.
Não conversaram em momento nenhum sobre o fato de não terem se correspondido com mais entusiasmo e questionaram-se mental e individualmente do porquê de não terem feito isso, uma vez que era latente a sintonia e o carinho entre eles.
A manhã estava se anunciando. Estavam largados na rede e seus corpos se encostavam displicentemente. Ele anunciou que precisava ir embora. Tinha que viajar de volta naquele mesmo dia. Ela ofereceu-se para acompanhá-lo até o aeroporto, mas ele disse que haveria familiares e todo aquele constrangedor momento de despedida. Além disso, observou que ela precisava descansar.
Comentaram que deveriam se escrever mais, saber mais da vida um do outro e que tinha sido ótimo aquele reencontro. Foram juntos até a saída do apartamento, deram um abraço apertado. Ela, lentamente, tirou os braços do pescoço dele, mas continuou sendo segurada pela cintura. Trocaram um prolongado olhar. Beijaram-se.
Sorriram e seguiram em frente.

Há quem lamente as divergências de rumos de pessoas que se entendem e se gostam.
Há quem celebre que tenha havido, em meio a tantas possibilidades contrárias, um encontro.

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