A menina queria escrever uma história. Gostava muito de
escrever e eventualmente passava ideias para o papel, mas sempre de maneira
desconexa. Apenas ela era capaz de entender. Decidiu, portanto, fazer algo
novo. Decidiu comunicar.
A insegurança, entretanto, impôs que fizesse uma sondagem
cuidadosa do que seria escrito ao seu “público-alvo”, pois lhe era evidente que
deveria escrever algo que os demais gostassem de ler.
Sua avó, que sempre tratava a todos com muito carinho e
delicadeza, estava de visita no dia da resolução. Seria a primeira a ser
questionada, ponderou a menina. A avó ficou surpresa com a pergunta sobre o
tipo de texto que gostava de ler, e respondeu que poesias bem feitas sempre lhe
agradavam. E assim a garota, animada com a resposta confiante e singela da avó,
escreveu sua primeira poesia.
Estava ansiosa – e amedrontada – com a ideia de
apresentá-la às pessoas. Quando, em busca de aprovação, dirigia-se ao quarto
dos seus pais, ouviu uma conversa que acabou com sua coragem. Sua mãe comentava
com o seu pai sobre os romantismos das novelas. Chamava aquilo de farsa... A vida real não é assim! A menina,
imediatamente, olhou para sua poesia e julgou-lhe tão idealista e tola que
rasgou o papel em vários pedacinhos. Imagina se alguém daria importância àquilo?
Ela, que nada sabia das dificuldades da vida, não teria nenhuma propriedade
para afirmar o que afirmava naquele estúpido manifesto.
Para corrigir seu erro, dirigiu-se a estante de livros – a
qual era alimentada em maioria pelo seu pai, assíduo leitor – para descobrir um
assunto realmente digno de relato. Observou que guerras eram uma temática
recorrente, assim como obras policiais e contos de horror. Pegou três livros
escolhidos aleatoriamente e decidiu lê-los para ganhar experiência. A vida de
escritora não seria, afinal, simples assim.
Não entendeu nada do primeiro, mesmo lendo duas vezes cada
página e se obrigando a não pular nenhuma delas. O segundo pareceu-lhe
fascinante. Conhecera ali o que viria a ser uma paixão por muito tempo depois,
as obras de Agatha Christie. O terceiro era, assim como o primeiro,
indecifrável para aquela ainda imatura – embora extremamente empenhada –
leitora. Falava tão minuciosamente de localidades que ela não conhecia e de informes
técnicos de exércitos, que a impediam de sequer entender o contexto. Ela sabia
que se tratava de relatos de guerras mundiais, mas não conseguia discernir
muito além disso.
Entristeceu-se com o saldo pouco positivo da sua “leitura
de aprendizado”, mas decidiu escrever uma história policial. Escreveu-a em três
folhas de papel, frente e verso, com sua caligrafia irregular. Tratava-se de um
mistério sobre a fortuna roubada de um milionário. Qualquer um dos personagens
poderia ser o culpado. Estava empolgadíssima com seu enredo até perceber que
não sabia quem culparia. Ela criara o início e o desenvolvimento, mas o
desfecho não fora previamente planejado. Por dias releu a história e não teve
inspiração para finalizá-la. Decidiu, embora envergonhada, comentar o seu
problema com o pai, para que este – sempre muito sábio – lhe “desse uma luz”.
Não sabendo iniciar a conversa, perguntou ao pai se ele
nunca sentira vontade de escrever nada. Ele disse que quando era jovem escrevera
bastante. Hoje, no entanto, não mais fazia isso. Ela não entendeu... Com o
tempo ele se tornara uma pessoa brilhante e de inteligência maior que muitos
escritores por aí – em sua opinião de filha, mas também de leitora – então por
que não escrever? Ele respondeu que não tinha talento. A garota ficou arrasada
e nem deu continuidade à conversa. Se seu pai, que tinha toda essa capacidade,
julgava-se sem talento, quem seria ela para enveredar-se nesse rumo tão vasto e
complicado das palavras? Pegou sua história inacabada e guardou na gaveta das
“coisas-que-não-usava-mais”.
Alguns anos se passaram e muitas obrigações tomaram conta
de sua rotina, afastando por completo esse tipo de divagação. Até que, em um
dos seus raros dias de folga, pensou novamente em escrever uma história.
Observou que outras pessoas o faziam. Pessoas próximas, pessoas desconhecidas.
De várias idades, classes e credos. Cada
uma fazia à sua maneira.
A princípio, pensou que poderiam interpretar o que ela
escrevesse como algo bobo, indigno de observação, ou até mesmo passível de
críticas duras quanto à coesão ou conteúdo, afinal, não era mais nenhuma
criança. Mas toda reflexão desaguava em um fato: nem todos iriam gostar dos
seus textos. Lembrou-se da avó e dos seus pais, percebendo que não conseguiria,
jamais, agradar a todos. Antes entendia isso como uma barreira para começar a
escrever, mas só depois de tanto tempo percebia: nunca fora uma questão de
escolher entre as preferências dos outros.
Sentou-se à frente do seu computador, abriu o editor de
texto e escreveu a primeira história genuinamente sua, cujo início era quase
infantil:
“A menina queria escrever uma história...”
Muito lindo Belzita! Que bom que tu compartilha isso com a gente!
ResponderExcluirPreciso te ler, preciso te ler cada vez mais. Você me motiva muito. Parabéns, Bel, não vejo a hora de isso aqui se encher de outras histórias!
ResponderExcluirMuito bom, moça!
ResponderExcluirMe arrepiei com o final "recursivo", que mesmo que de certa forma previsível, conseguiu surpreender.
Me identifiquei com o texto. Tem muito de mim nele também.
Até hoje penso bastante em "quem vai ler" antes de publicar um texto, no quão infantil ou bobo ele é e em quanta gente "melhor que eu" escreve coisas "melhores" e me acharia ruim, mas tento me distanciar disso e escrever pra mim. É pra mim que eu tento escrever, sem muita influência externa. Porque esse é o meu objetivo: colocar um pouco de mim "no papel".
:)