14 de jan. de 2012

O flerte

        Sofia chegara às 15:00 horas, tendo uma consulta marcada para as 15:30. Ela sabia que não seria atendida antes das 16:00, mas não conseguia não chegar antes. Já era uma antiga frequentadora desse consultório e sempre incorria nas mesmas esperas.  Esse, aliás, era um dos motivos recorrentes de reflexão (dos muitos que surgiam na espera): por que os médicos de qualquer espécie agendam horários que não podem cumprir? E por que eu ainda chego mais cedo?
Neste dia em questão, enquanto folheava uma revista Caras do ano retrasado, trabalhava a hipótese de tais atrasos nas consultas serem práticas exclusivamente brasileiras e cogitava uma viagem ao exterior – algum país ainda na América Latina – para averiguação in loco, quando um rapaz bastante interessante surgiu na recepção. Definitivamente não tinha padrões de um galã hollywoodiano, mas eles não estavam em um desfile de moda. Era um consultório de odontologia, tornando-se, assim, fácil de se impressionar com aquela destoante figura.
Então aquele momento mágico aconteceu. Ele a olhou. E olhou novamente. E ela retribuiu, com um sorriso recatado, virando o rosto e fitando a notícia antiga, como se estivesse bastante interessante. Quando levantou o rosto, lá estava ele, fitando-a. Ponderou que aquele sorriso até tinha algo de hollywoodiano, no fim das contas.
Quando começava a travar uma batalha contra sua timidez – afinal aquele homem era lindo e estava claramente flertando com ela – decidiu, com ares de mulher moderna e esclarecida, que iria facilitar uma aproximação. Esboçava levantar em busca de uma nova revista, na bancada ao lado dele, quando, nesse mesmo instante, a recepcionista convocou para dentro algum nome que ela estava distraída demais para prestar atenção.
No minuto seguinte, aquele par de olhos seguiu em direção ao interior da sala de consultas. Sofia praguejou mentalmente por não ter ouvido o nome dele – e até deixou escapar um muxoxo que não passou despercebido pelos demais pacientes – mas ficou no aguardo do seu retorno.
Enquanto isso, não deixou de constatar que ele chegou cerca de cinco minutos antes de ser chamado e que já eram 15:40. Ele, portanto, provavelmente considerara o atraso e calculara com maestria sua chegada charmosa ao recinto. Tal percepção só fez crescer a vontade de interagir com aquela criatura fantástica. Poderia puxar uma conversa animada sobre isso, pensou Sofia, já visualizando o diálogo entre eles.
Após alguns minutos de espera, ele saiu no mesmo momento em que a recepcionista bradava: Sofia Vasconcelos! Ela se levantou, eles trocaram olhares intensos, enquanto seus corpos quase se tocavam, caminhando em sentidos opostos. Ela entrou na sala. Ele, de saída, ainda olhou para trás mais uma vez e soltou um lindo sorriso (que a fez se perguntar: o que esse homem veio fazer aqui com esses dentes perfeitos?).
Ela desejou mais que o normal que sua consulta fosse breve. Menos de vinte minutos depois, com a boca ardendo da limpeza realizada, saiu às pressas para procurá-lo nos arredores do local.
Ele poderia estar lá, encostado displicentemente em uma pilastra próxima, esperando-a com uma revista mais nova e dizendo: esta aqui deve ser mais interessante do que aquela antiga que você lia com tanto entusiasmo, como sugeriu uma das muitas fantasias da mente de Sofia enquanto o dentista analisava sua higiene bucal. Ou ele poderia simplesmente dizer que não sabia o que tinha feito-o esperar, mas que sentira uma forte ligação entre eles (ela também vislumbrou tal hipótese).
É provável até, abusando das conjecturas, que caso tivessem se conhecido em alguma roda de amigos, em outras circunstâncias, se dessem muito bem. Ambos tinham personalidades bastante parecidas e gostos em comum, caso isso pudesse ser posto a prova.
O fato, no entanto, diferente das muitas possibilidades, era apenas um: ele não estava lá. Nem perto. Já tinha ido embora. Sofia olhou em volta e suspirou, resignada. Na mesma intensidade com que vieram tais conjecturas, elas também se esvaíram. Ela riu – dessa vez incontrolavelmente – das suas muitas fantasias sobre o fato e constatou que aquela espera tinha sido levemente vantajosa em relação às anteriores.
Lembrou-se do sorriso dele uma última vez e até guardou na memória... Até que o próximo belo sorriso dirigido a ela ou a relação de compras da semana o substituísse.

4 comentários:

  1. que orgulho de ter uma amiga escritora!!!!!!!!!!! lindo :) e coitada de sofia...hehehe.

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  2. Muito bem escrito Belzita! Quantas vezes a gente dá uma de Sofia, hein? Parabéns linda.

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  3. juro como me identifiquei bastante, sempre soube que você mandava muito bem belzinha, agora escreve com mais perfeição ainda! que o próximo ^^

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  4. Adoro você escrevendo, sua linda (Eu achei que tinha comentado aqui, deve ter dado blogbug).

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