“- Pra ser
sincero, eu não te amo.”
Aquela frase não saia de sua
cabeça desde que ouvira, há três dias. Trancara-se no quarto tentando entender
a súbita reviravolta na sua vida a despeito dos protestos dos amigos, que
diziam que ele não valia a pena, que havia sido melhor assim. Ela só conseguia
se questionar. Como assim não
amar? E tudo que foi dito? E os momentos regados a risadas sinceras... Ou
melhor, será que eram sinceras mesmo? E aqueles abraços apertados em tempos de
crise ou até sem motivo algum? O que pensar, então, sobre as declarações que
foram trocadas... “Com você é como se eu finalmente pudesse respirar em paz?”,
“nunca me senti assim com ninguém antes”... Como uma simples frase podia servir
como ponto final para todas as outras?
Depois do choque momentâneo
da revelação, tentara ser fria. Não quis ver ninguém, não quis desabafar.
Disse, apenas, que precisava de um momento só seu. Então fechara os olhos.
Quase como uma facada aquela
lembrança apareceu: os olhares se cruzaram no meio de tantas pessoas em uma
avenida qualquer, num dia de carnaval. E, diferente dos olhares lascivos que
procuram presas fáceis e descartáveis para sua momentânea diversão, aquela
troca foi intensa e profunda, pedia algo mais. E rendeu algo mais. Ele decorou
seu telefone em meio ao barulho ensurdecedor e disse que precisava ir, mas que
entraria em contato. Ela, mesmo incomodada com a situação (por que estou
dando meu número para esse cara?), se rendeu.
Na quarta-feira de cinzas,
recebeu uma mensagem de texto, convidando-a para a mesma rua onde tinham se
visto. Lá chegando, e desta vez sem nenhum barulho – o lixo ainda não havia sido
de todo retirado e não havia sinal de pessoas que agora achassem o local
interessante, como há alguns dias – ficou constrangida com a ideia de ter sido
tão fácil. “Quem ele deve pensar que eu sou?“, questionou-se. Mas ao novamente cruzar
seu olhar com o daquele rapaz, que vinha devagar na outra direção, era como se
ele entendesse seus receios, ao mesmo tempo em que dizia, com aqueles olhos,
que ela não precisava se preocupar.
Imaginava que seguiria um
diálogo constrangido, mas a sintonia entre eles parecia transcender a falta de
conhecimento sobre o outro. Travaram um diálogo que fluiu tão naturalmente
quanto se esperaria de amigos próximos. E ela, naquele momento, considerou-se
uma pessoa de muita sorte.
Olhos abertos, lágrimas
escorrendo deles. Era irônico como lembranças de momentos felizes conseguiam
torturar tanto. Se era para terminar assim, questionava-se, por que começou?
Por que iludi-la com um romance súbito? Ela nem estava procurando por isso
quando aconteceu. E vivia muito bem sem ele... Até conhecê-lo. Se ele pensava
em ir embora, por que razão teria aparecido?
Lembrou-se, então, não sem
uma dolorosa pontada no estômago, daquele sorriso. Aquele que sabia que era
reservado a ela... O que seria dele agora? Encontraria outro “alvo”?
Combinar-se-ia com o olhar sedutor e faria outra vítima em qualquer esquina? Ou
apareceria sinceramente quando visse outra pessoa? As múltiplas possibilidades
que não a incluíam deixavam-na em pânico. Não saber dele impedia que ela sequer
pensasse em si por alguns instantes, tentando se restabelecer. As dúvidas não
paravam de surgir: se não era amor, o que mais seria? Paixão? Curiosidade?
Diversão?
Alguns dias passaram, não sem
menos divagações e não de maneira rápida. Mas a dor foi – contrariando suas
lamentações de outrora e quase imperceptivelmente – ocupando lugares
secundários. Quando via a foto dele, ou ouvia seu nome por coincidência,
estremecia, mas sabia que tinha que superar. Eventualmente se flagrava pensando
nele e isso fazia seu coração apertar, mas não tanto quanto antes. Nos dias
mais calmos, sentia sua falta com mais intensidade, e tentava imaginar onde ele
estaria no mesmo momento. Se pensava nela. Provavelmente não, concluía. Ele
seguira em frente.
Se ele a ensinara algo além
de como sofrer intensamente, havia sido que existem muitas possibilidades nesta
vida. Quando menos se imagina, alguém pode aparecer e mudar seu destino. Essa
pessoa pode ir embora depois, para que outras apareçam também. Poderia ser uma
eterna amargurada lamentando ter perdido “a chance da sua vida” ou poderia se
conformar de ter feito o que podia para que desse certo naquele relacionamento.
Talvez, concluía, ele tenha
sido bem menos feliz do que ela quando estiveram juntos. Então o que para ela
parecia a ruptura de algo que dava certo, para ele era visto como um alívio.
Seria possível ter sido egoísta dessa maneira? Seria, ponderou.
A felicidade não é óbvia, nem
o que se chama por aí de amor. Nenhum sentimento é óbvio. Encontrar
reciprocidade, por este ângulo, parece uma exigência muito grande a se fazer,
principalmente lidando com o acaso. Sua melhor chance era continuar
vivendo e colocando-se no “jogo da vida” para novos lances, novas apostas.
Abrir o coração para outras ocasiões, por mais clichê que isso soasse.
Pensar nele era ter certeza
de que precisava recomeçar. E foi parecendo claro que a dor chega a um ponto
que reverte suas energias. Não conseguindo mais ser apenas dor, torna-se
aprendizado. Tinha, afinal, uma história para contar.
Olhou para frente e viu seu
grupo de amigos conversando displicentemente... Percebeu que a mesma vida que
lhe fizera sofrer também lhe dera outras tantas oportunidades de ser feliz
(que, por vezes, acabam passando despercebidas, fantasiadas de lugar-comum).
Tentar entender por que isto
acontece é tão complicado que vale mais a pena estar atenta. Se era para ser
assim, sem ele, seria. Mas não seria de qualquer jeito... Era a sua vida e, até
onde sabia, era única. Seria da melhor maneira que soubesse fazer. Abriu um
sorriso e lembrou-se de como não era impossível se divertir. Ele poderia não
amá-la, provavelmente não ama mesmo. Mais um motivo, ponderou, para amar ainda
mais a si mesma.
Pra variar perfeito o texto Belzita! Parabéns linda =****
ResponderExcluirEu te amo, ai como eu te amo. Você nunca saberá o quanto suas palavras me motivam, o quanto me confortam. Parabéns primeiramente por estar dando a honra de ler isso aqui, e parabéns pelo texto <3.
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