9 de jun. de 2012

A história de Branquinha


*Atenção: esse texto contém spoilers do livro “A cabra do seu Joaquim”*

Quando mais nova, enquanto as outras crianças próximas escolhiam livros convencionais para a leitura que precedia a conhecida “hora de dormir”, gostava de selecionar a história da cabra do seu Joaquim. Longe de um conto serelepe, a saga de Branquinha – nome atribuído pelo dono em virtude da cor do seu pelo e da sua barbicha – não tem um final feliz.
Acontece que a cabra tinha um espírito explorador – digno de qualquer jovem ou mesmo de qualquer ser humano com um mínimo de inquietação, se você aceita alguma metáfora nessa história – e queria ir além do galpão no qual vivia. Sonhava, para manter a rigorosidade das informações, em ir para as montanhas, onde teria amplos atrativos. Capim e espaço para cambalhotas, mais especificamente. O que mais uma cabra poderia querer?
Seu Joaquim, já experiente no seu restrito universo e especialmente apegado àquela inocente criatura, entendia que era preciso mantê-la cerceada para que ela não se tornasse vítima do aterrorizante morador do bosque: o lobo cruel e sanguinário, dedicado a comer cabritinhas indefesas.
Numa conversa entre os dois – eu não prometi realismo – fica claro que Branquinha quer desbravar seus horizontes para ficar plenamente satisfeita. Do outro prisma, o dono teme pela vida dela, além de ficar chateado por toda a sua dedicação não ser suficiente para a cabra.
Branquinha argui que gosta dele, mas que precisa da liberdade. Quanto aos perigos, diz que pode eventualmente até enfrentar o lobo com seus chifres, o que deixa seu Joaquim possesso. A cabra, alheia a isso, permanece decidida a partir. Aos poucos, para de se alimentar, gerando uma maior preocupação no seu já apreensivo dono, que a prende em um estábulo por medida de segurança.
A cabrita, no entanto, foge de lá e passa um período de glória nas montanhas, aproveitando cada segundo da sua tão sonhada liberdade, dando demasiadas cambalhotas. Mas nem tudo são flores e piruetas.
Tarde da noite, a figura tão citada do lobo aparece e trava uma batalha épica com a nossa heroína alva que, embora lutasse com determinação, jamais poderia vencê-lo, como alertou seu Joaquim.
Já ao amanhecer, Branquinha apenas esperava o momento da consumação sua morte, com uma resignação invejável (para nós, seres humanos, naturalmente).
Aquela história me incomodava muito. Até hoje incomoda, na verdade. Algumas pessoas vão questionar o porquê, então, de gostar dela. A resposta é até simplória: a história de Branquinha fazia sentido.
A Branca de Neve e seus sete amigos anões, que após tantas aventuras terminam todos felizes e acompanhados de um elegante príncipe encantado, assim como outras histórias infantis que seguem o mesmo final de roteiro, não eram factíveis. Felizes para sempre não existe. Tampouco felizes sempre. Sempre não existe.
A felicidade eterna para mim ou para Branquinha, é uma utopia. Não se engane: eu me considero uma pessoa feliz (embora levemente inclinada à melancolia), mas existe muito que eu gostaria de desbravar e simplesmente não conseguirei. E muito que eu gostaria de saber conter em mim e também tenho fracassado.
Às vezes a gente tem que ir ao bosque para descobrir que um galpão era um lugar seguro, confortável e suficiente para nós. E às vezes a gente tem que passar um considerável tempo em um galpão para descobrir que as montanhas nos fariam atingir o ápice da felicidade.
Em síntese: às vezes a gente precisa errar para aprender, mesmo que nos digam o que é "certo" constantemente. O perigo reside no fato de que nada é para sempre, principalmente nossas oportunidades.
Branquinha conheceu o mundo e imediatamente conheceu a morte, sem segundas chances. Poderia ter sido melhor, ou pior, quem sabe? Só me recordo que ia dormir pensando que, por sorte, lobos não poderiam me alcançar e eu teria o dia seguinte. No fundo, eu me identificava com Branquinha e não sabia. O quanto cada um sabe sobre si mesmo e as montanhas que o cercam, afinal?

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