*Atenção:
esse texto contém spoilers do livro “A cabra do seu Joaquim”*
Quando mais nova, enquanto as outras crianças próximas
escolhiam livros convencionais para a leitura que precedia a conhecida “hora de
dormir”, gostava de selecionar a história da cabra do seu Joaquim. Longe de um
conto serelepe, a saga de Branquinha – nome atribuído pelo dono em virtude da
cor do seu pelo e da sua barbicha – não tem um final feliz.
Acontece que a cabra tinha um espírito explorador – digno
de qualquer jovem ou mesmo de qualquer ser humano com um mínimo de inquietação,
se você aceita alguma metáfora nessa história – e queria ir além do galpão no
qual vivia. Sonhava, para manter a rigorosidade das informações, em ir para as
montanhas, onde teria amplos atrativos. Capim e espaço para cambalhotas, mais
especificamente. O que mais uma cabra poderia querer?
Seu Joaquim, já experiente no seu restrito universo e
especialmente apegado àquela inocente criatura, entendia que era preciso mantê-la
cerceada para que ela não se tornasse vítima do aterrorizante morador do
bosque: o lobo cruel e sanguinário, dedicado a comer cabritinhas indefesas.
Numa conversa entre os dois – eu não prometi realismo –
fica claro que Branquinha quer desbravar seus horizontes para ficar plenamente
satisfeita. Do outro prisma, o dono teme pela vida dela, além de ficar chateado
por toda a sua dedicação não ser suficiente para a cabra.
Branquinha argui que gosta dele, mas que precisa da
liberdade. Quanto aos perigos, diz que pode eventualmente até enfrentar o lobo
com seus chifres, o que deixa seu Joaquim possesso. A cabra, alheia a isso, permanece
decidida a partir. Aos poucos, para de se alimentar, gerando uma maior
preocupação no seu já apreensivo dono, que a prende em um estábulo por medida
de segurança.
A cabrita, no entanto, foge de lá e passa um período de
glória nas montanhas, aproveitando cada segundo da sua tão sonhada liberdade,
dando demasiadas cambalhotas. Mas nem tudo são flores e piruetas.
Tarde da noite, a figura tão citada do lobo aparece e trava
uma batalha épica com a nossa heroína alva que, embora lutasse com
determinação, jamais poderia vencê-lo, como alertou seu Joaquim.
Já ao amanhecer, Branquinha apenas esperava o momento da
consumação sua morte, com uma resignação invejável (para nós, seres humanos,
naturalmente).
Aquela história me incomodava muito. Até hoje incomoda, na
verdade. Algumas pessoas vão questionar o porquê, então, de gostar dela. A
resposta é até simplória: a história de Branquinha fazia sentido.
A Branca de Neve e seus sete amigos anões, que após tantas
aventuras terminam todos felizes e acompanhados de um elegante príncipe
encantado, assim como outras histórias infantis que seguem o mesmo final de
roteiro, não eram factíveis. Felizes para sempre não existe. Tampouco felizes
sempre. Sempre não existe.
A felicidade eterna para mim ou para Branquinha, é uma
utopia. Não se engane: eu me considero uma pessoa feliz (embora levemente
inclinada à melancolia), mas existe muito que eu gostaria de desbravar e
simplesmente não conseguirei. E muito que eu gostaria de saber conter em mim e
também tenho fracassado.
Às vezes a gente tem que ir ao bosque para descobrir que um
galpão era um lugar seguro, confortável e suficiente para nós. E às vezes a
gente tem que passar um considerável tempo em um galpão para descobrir que as
montanhas nos fariam atingir o ápice da felicidade.
Em síntese: às vezes a gente precisa errar para aprender,
mesmo que nos digam o que é "certo" constantemente. O perigo reside
no fato de que nada é para sempre, principalmente nossas oportunidades.
Branquinha conheceu o mundo e imediatamente conheceu a
morte, sem segundas chances. Poderia ter sido melhor, ou pior, quem sabe? Só me
recordo que ia dormir pensando que, por sorte, lobos não poderiam me alcançar e
eu teria o dia seguinte. No fundo, eu me identificava com Branquinha e não
sabia. O quanto cada um sabe sobre si mesmo e as montanhas que o cercam,
afinal?
Belzita, genial sempre! Amei a frase do fim! :D
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