15 de jul. de 2012

Os tais pequenos gestos



Estava a caminho do trabalho, no ônibus que costumo pegar todos os dias. Já me aproximando do meu destino, vejo embarcarem no veículo uma senhora e um garotinho, o qual espertamente tratou de passar por baixo catraca e, diante da grande disponibilidade de assentos da quase vazia condução, fez uma escolha minuciosa do local onde se estabeleceria para a “viagem”, com expressões faciais bastante curiosas.
Escolheu uma das cadeiras elevadas que ficava perto da porta de saída. A senhora – que supus ser sua mãe – ao alcança-lo, ficou próxima à janela, preservando a liberdade daquele curioso jovenzinho. Ele, ao seu lado, repousou o dedo indicador no botão de solicitação de parada de ônibus, mas não apertou, porque, pelo olhar da sua acompanhante, sofreria uma séria retaliação se o fizesse (e perderia toda a liberdade conquistada).
Simplesmente ficou estático na posição descrita por cerca de dez minutos, compenetrado, como algum fiel guardião de qualquer coisa importante, até que finalmente chegou a minha hora de descer. Fui até a ele, pois ficava no caminho da porta, e pedi que apertasse o botão para mim.
Ele abriu um sorriso tão grande e tão puro que me deu vontade de registrar essa história, já que não pude tirar uma foto. Antes de cumprir sua missão, no entanto, olhou para o lado em busca de consentimento. Quando a simpática mulher assentiu e disse: “aperte antes que a moça perca a parada”, ele apertou o botão com uma felicidade contagiante.
Deu vontade de apertar botões (e ele também), mas me controlei. Enquanto aguardava o ônibus parar totalmente, a senhora me agradeceu efusivamente por ter, em suas palavras, “matado a curiosidade dele”. Ele, ainda com o dedo pousado no dispositivo, apenas sorria e me olhava.
Foi então que me disse que estava fazendo aniversário. Mostraram-me com satisfação um brinquedo do Homem-Aranha que tinha sido escolhido como presente. Dei os parabéns e desembarquei, embora meu real desejo fosse conversar com aqueles seres cativantes e gratuitamente simpáticos.

Quase cotidianamente algumas interações encantam, mas o tempo leva a lembrança de boa parte delas. Uma desconhecida disse, num dia extremamente conturbado, para apreciar a beleza da lua. Outra “estranha”, após comprar bombons na banquinha próxima, ofereceu-os despretensiosamente, com um grande sorriso. Um guarda, após minha passagem, numa segunda-feira qualquer, desejou um bom dia que, de fato, tornou o dia melhor. Um senhor correu para devolver o dinheiro que havia deixado cair no chão. Um rapaz ofereceu entradas para uma peça quando estava na bilheteria prestes a comprar os ingressos. Essas são algumas das que (ainda) consigo recordar. Sabe-se lá até quando.
A minha seletiva memória (negativa) é usada para compromissos e obrigações e empenha-se, em igual medida, em registrar grosserias, mal-entendidos e insucessos. Por isso, sei que não vou guardar para sempre as histórias mais singelas (e, talvez por isso, extremamente belas) dessa curiosa vida permeada de tantos elementos transitórios. Hoje, ainda assim, quis manter viva a imagem do simpático aniversariante apertador de botões. Até porque, embora ele nem saiba, também me presenteou.


(Escrito em 11/07, dia do aniversário do garotinho supracitado)

3 comentários:

  1. Flor, todos que cruzam com vc , são privilegiados

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  2. Que liiiindo Cóide =~
    pqp, cada vez que venho aqui te admiro mais!
    Te amo!

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  3. Bel,
    no meu primeiro dia de aula na UFPE. Na aula de uma professora, portuguesa, maravilhosa, a inesquecível Inês, tive um momento assim. Encabulada, esperava o ônibus e percebi que a professora, Inês,se aproximava da parada. A admirava tanto que entrei em pânico, com receio de que ela me perguntasse alguma coisa e não conseguisse balbuciar resposta. Resolvi baixar a cabeça, na tentativa de que ela não me visse, nem puxasse conversa. Em vão. Ela chegou perto e disse: Valentina, já viu como a lua tá linda hoje?
    Belo texto. Mostra sensibilidade, capacidade de observação e domínio narrativo. Como dizem os cariocas, VALEU!

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