Estava a caminho do trabalho, no ônibus
que costumo pegar todos os dias. Já me aproximando do meu destino, vejo
embarcarem no veículo uma senhora e um garotinho, o qual espertamente tratou de
passar por baixo catraca e, diante da grande disponibilidade de assentos da
quase vazia condução, fez uma escolha minuciosa do local onde se estabeleceria
para a “viagem”, com expressões faciais bastante curiosas.
Escolheu uma das cadeiras elevadas que ficava perto da
porta de saída. A senhora – que supus ser sua mãe – ao alcança-lo, ficou
próxima à janela, preservando a liberdade daquele curioso jovenzinho. Ele, ao
seu lado, repousou o dedo indicador no botão de solicitação de parada de
ônibus, mas não apertou, porque, pelo olhar da sua acompanhante, sofreria uma
séria retaliação se o fizesse (e perderia toda a liberdade conquistada).
Simplesmente ficou estático na posição descrita por cerca
de dez minutos, compenetrado, como algum fiel guardião de qualquer coisa importante,
até que finalmente chegou a minha hora de descer. Fui até a ele, pois ficava no
caminho da porta, e pedi que apertasse o botão para mim.
Ele abriu um sorriso tão grande e tão puro que me deu
vontade de registrar essa história, já que não pude tirar uma foto. Antes de
cumprir sua missão, no entanto, olhou para o lado em busca de consentimento.
Quando a simpática mulher assentiu e disse: “aperte antes que a moça perca a
parada”, ele apertou o botão com uma felicidade contagiante.
Deu vontade de apertar botões (e ele também), mas me
controlei. Enquanto aguardava o ônibus parar totalmente, a senhora me agradeceu
efusivamente por ter, em suas palavras, “matado a curiosidade dele”. Ele, ainda
com o dedo pousado no dispositivo, apenas sorria e me olhava.
Foi então que me disse que estava fazendo aniversário.
Mostraram-me com satisfação um brinquedo do Homem-Aranha que tinha sido
escolhido como presente. Dei os parabéns e desembarquei, embora meu real desejo
fosse conversar com aqueles seres cativantes e gratuitamente simpáticos.
Quase cotidianamente algumas interações encantam, mas o
tempo leva a lembrança de boa parte delas. Uma desconhecida disse, num dia
extremamente conturbado, para apreciar a beleza da lua. Outra “estranha”, após
comprar bombons na banquinha próxima, ofereceu-os despretensiosamente, com um
grande sorriso. Um guarda, após minha passagem, numa segunda-feira qualquer,
desejou um bom dia que, de fato, tornou o dia melhor. Um
senhor correu para devolver o dinheiro que havia deixado cair no chão. Um rapaz
ofereceu entradas para uma peça quando estava na bilheteria prestes a comprar
os ingressos. Essas são algumas das que (ainda) consigo recordar. Sabe-se lá
até quando.
A minha seletiva memória (negativa) é usada para
compromissos e obrigações e empenha-se, em igual medida, em registrar
grosserias, mal-entendidos e insucessos. Por isso, sei que não vou guardar para
sempre as histórias mais singelas (e, talvez por isso, extremamente belas) dessa
curiosa vida permeada de tantos elementos transitórios. Hoje, ainda assim, quis
manter viva a imagem do simpático aniversariante apertador de botões. Até
porque, embora ele nem saiba, também me presenteou.
(Escrito em 11/07, dia do aniversário do garotinho
supracitado)
Flor, todos que cruzam com vc , são privilegiados
ResponderExcluirQue liiiindo Cóide =~
ResponderExcluirpqp, cada vez que venho aqui te admiro mais!
Te amo!
Bel,
ResponderExcluirno meu primeiro dia de aula na UFPE. Na aula de uma professora, portuguesa, maravilhosa, a inesquecível Inês, tive um momento assim. Encabulada, esperava o ônibus e percebi que a professora, Inês,se aproximava da parada. A admirava tanto que entrei em pânico, com receio de que ela me perguntasse alguma coisa e não conseguisse balbuciar resposta. Resolvi baixar a cabeça, na tentativa de que ela não me visse, nem puxasse conversa. Em vão. Ela chegou perto e disse: Valentina, já viu como a lua tá linda hoje?
Belo texto. Mostra sensibilidade, capacidade de observação e domínio narrativo. Como dizem os cariocas, VALEU!