Prostrado à porta da entrada, antes de fechá-la, conseguia
vislumbrar boa parte da sala e metade do corredor. Observou a pintura já gasta
das paredes, de uma espécie de verde desbotado, que sempre lhe incomodou e
agora já não parecia lhe dizer respeito. As cadeiras levemente tortas que
nenhum dos demais moradores fazia questão de arrumar. Sentiu o aroma suave,
porém inconfundível, notado desde o primeiro dia que visitara o apartamento.
Trancou a porta e dirigiu-se ao aeroporto.
O voo foi tranquilo. Nada de turbulências ou imprevistos. As
pessoas ao redor mostravam-se simpáticas e sorridentes. Terminara um livro que
há muito tempo tinha decidido ler, não deixando de notar nisso, e nos fatos
supracitados, um sinal altamente positivo sobre aquela que costumava chamar
internamente de “vida nova” (para os outros se tratava “apenas” de uma viagem
de um ano para fora do país).
Neste caso em questão, o cenário era, de fato, dos mais
otimistas possíveis. Deixava para trás angústias, desentendimentos, estresses e
uma rotina da qual estava saturado. Sabia, claro, que existiriam novos
problemas. Mas estava disposto a encará-los com fibra. Necessitava de conversas
diferentes, em outras línguas, com outras culturas, outras pessoas.
Sabia que sentiria saudades. Mas precisava se apresentar a
novos locais e rostos. Saber se outros também ririam das suas piadas,
entenderiam seus pontos de vista, debateriam, teriam algo de proveitoso a lhe
ensinar. Lembrou-se, ao pensar nisto, do momento em que deixava seu
apartamento.
Quando deu por si, já era hora de desembarcar. O aeroporto
– mais um sinal – era muito bem equipado e organizado. Depois de recolher sua
bagagem e praticar timidamente suas primeiras falas em um novo continente,
sendo bem recebido e compreendido, caminhou em direção a um táxi.
Estava com todas as instruções sobre seu novo endereço e
informou o caminho ao motorista. Durante o percurso, que oscilava entre
silêncios e conversas com o condutor, notava a amplitude das áreas verdes, a
quantidade de pessoas caminhando. Jovens e adultos lendo em bancos, enquanto
eram contemplados com um sol ameno e uma brisa agradável. Foi tomado por uma
vontade quase incontrolável de estabelecer esse tipo de rotina. Caminhadas,
leituras, o lugar parecia forçá-lo a finalmente fazer aquilo que seu estilo de
vida – e sua falta de obstinação e até de coragem – não o permitira até então.
Em pouco tempo chegou ao seu destino. Despediu-se do
simpático interlocutor e caminhou até a entrada do seu novo prédio. Era
extremamente acolhedor. O hall era pequeno e muito aconchegante. Entrou no
elevador, com a chave em mãos, e só então percebeu uma coincidência. O número
do apartamento no qual ficaria era o mesmo do seu antigo. Sorriu e apertou o
número 3 no painel.
Abriu a porta sem muita dificuldade, embora estivesse
levemente trêmulo de expectativa. Ali, da entrada, conseguia vislumbrar boa
parte da sala e metade do corredor. Observou a pintura já gasta das paredes, em
uma espécie de verde desbotado, e demorou ainda alguns segundos para perceber
que ela sempre tinha lhe incomodado. Lá estavam as cadeiras levemente tortas,
aparentemente negligenciadas em termos de arrumação. Sentiu um cheiro suave,
porém inconfundível.
A incompreensão daquele fato inusitado inundou sua mente
por um tempo que pareceu indeterminado.
Após recuperar-se do atordoamento, agradeceu a simpática
intervenção e notou que adormecera com seu exemplar de Ensaio sobre a lucidez aberto
no colo, pela metade.
Belo, Bel. Fez-me pensar que as viagens operam muitas, e boas mudanças- pela minha experiência-, mas que as transformações e os rumos que damos a nossa é, muito mais, uma viagem interna, de você para você, sem baldeação. Ou seja, no fundo, ninguém´precisa necessariamente voar para mudar, embora ajude,
ResponderExcluirTina