8 de nov. de 2012

De passagem



Difícil dizer o que mais me atraia nele. Não era a beleza, embora seu estilo único fosse um convite irrecusável para tentar decifrá-lo. Tinha cabelos escuros, desgrenhados, que em qualquer outro ficariam ridículos, mas nele eram até charmosos. Tinha os dentes de baixo tortos, parecendo brigar entre si por um lugar naquela boca. Eu barganhava algo potencialmente mais complicado: um espaço certo na sua vida.
Se começasse a ficar sério para mim, me disse ele, certo dia, acariciando minhas costas nuas depois que deixei escapar um indício, deveria informa-lo, pois ele temia me machucar. Ele era assim, preferia não planejar, ou mais precisamente não se comprometer. Tínhamos conversas francas a respeito do que havia entre nós. Algo muito bom, dizia ele, mas cujo futuro era completamente incerto e instável. Eu assentia, dizendo, para ele e para mim mesma (sobretudo), que também queria algo assim, depois de tantos envolvimentos pautados em cobranças e promessas vãs. Mas ironicamente isso de ele me possuir ali, ao alcance das mãos, fazendo tão pouco caso disso, só me prendia mais.
Ele não era um bloco de frieza, vejam bem. Havia tido uma grande paixão daquelas que vem com grande sorte de desafios. No caso dele, os grandes empecilhos pareciam ter uma pitada de paixão, em termos de proporcionalidade. Mas, para isso, ele tinha algo que se confundia com resignação: paciência... Como quem se convence que, em algum momento, os obstáculos poderão ser contornados, não importando o quão longa seja a estrada. Era difícil não admirar, mesmo sendo duro entender que havia alguém, que não era eu, naquele aparente inacessível coração.
O que ficou claro, ao longo do nosso explicitamente transitório e carinhoso envolvimento, foi que ele gostava de mim o suficiente para desfrutarmos bons momentos, os quais aproveitávamos sinceramente. Lembro-me de quando ele sentenciou, com uma voz serena, como se comentasse um fato desimportante: “A maior parte do que a gente acha que tem, só está passando perto de nós. Mas aí que reside a beleza... Está perto de nós... Não seria ideal aproveitarmos?”. Diante da minha reação de quem não captou o sentido e do meu olhar de deboche que veio como mecanismo de defesa, ele sorriu – seus dentes tortos sorrindo certeiros em minha direção – e me beijou. Sua confusão lúcida e sua maneira de tornar isso um atrativo me seduziam de uma maneira perigosa.
É difícil, portanto, além de dizer o que me encantava mais, relatar como consegui me afastar quando notei e, de fato, aceitei que só aprofundava gradativamente meus sentimentos. Não creio que haja receita e definitivamente não foi indolor. Ele tinha razão em acreditar que as coisas são incertas. Pensando nisso até creio, hoje, que se tivéssemos ficado mais tempo juntos, ele pudesse mudar seus sentimentos em relação a mim. A incerteza serve para todas as perspectivas, afinal. Mas podemos conjecturar o quanto quisermos, o "se" não muda nossos rumos.
Eventualmente nos encontramos por aí. Da última vez que aconteceu ele me abraçou forte e disse “você é uma peça rara”. Eu disse que ele parasse de falar de mim pensando nele mesmo e ele riu com gosto, como eu sabia que faria. Trocamos conversas banais enquanto eu pensava na profundidade do que já exploramos juntos, em um contraste irônico, mas não triste. Fugiu do meu rosto até um sorriso prolongado em nossa despedida, o qual ele retribuiu antes de nos perdermos de vista, e deve ter mantido ainda fora do meu campo de visão.

A tristeza, suponho, boa parte das vezes que a gente acha que a tem, só está passando perto. Nós é que insistimos em convidá-la a ficar.

4 comentários:

  1. Belzita, adorei. Já tás imprimindo um estilo próprio ao texto, tão cada vez melhores! Uma hora ou outra vais ter que compilar todos juntos num livro ;P Saudades sua linda!

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  2. Que texto lindo! Seu talento é literalmente notório =)

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  3. Esse texto diz tanto sobre os dias de hoje.. Impossível não trazer esse momento para a nossa vida.. Essa vontade de se relacionar e não se apegar.. Brilhante e real o texto. :)

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