Se, apesar de tudo isso, um começo fantástico aparecesse... Não
importariam as semanas perdidas, os textos apagados, a nota baixa pela prova
que demandava mais estudo, aquelas grosserias no trânsito e fora dele, a pisada
na poça de lama seguida do tropeço pouco admirável perto da parada de ônibus.
Não. Bastaria uma expressão honesta daquilo que a mente insiste em devanear só
para si, na sua linguagem que eventualmente (sempre) não se traduz... E eu vou
entendendo sem entender direito, como geralmente é uma interação humana (mesmo
que interna). Onde andará aquela transcrição clara, em parágrafos, do
pensamento singelo, tocante, marcante, singular? Sim, algo genuinamente bom, sem
rimas estranhas numa prosa metalinguística fadada ao fracasso. Na derrota dos
dedos, repreendidos pela mente que não sabe se explicar, mas sabe que aquelas
tentativas não a traduzem, tenho me obrigado a voltar às questões cotidianas.
Aulas, rotinas, colegas de trabalho, todo um material vasto de contos não-escritos
e não-falados, todos caracterizados com olhos clínicos de um Sherlock contemporâneo
sem tanta capacidade de dedução como o original, mas com um acesso às redes
sociais que lhe faria inveja. No entanto, ao invés de serem retratados, são
vividos com aquela dose de monotonia. Aquele quê de o que tem de mais?
Você pode me perguntar: Mas então, por que não jogá-los no papel, ou na tela do
computador? Não tornar um real em vários contos, e nesse câmbio interagir com
ele da maneira que lhe for favorável? Eu até barganho com a minha mente... E não peço a história inteira, nem um arremate intrigante, com deixa para o
volume dois. Peço apenas o começo e deixa que eu lido com o resto. Diria
então (minha mente) com o devido ruído causado pelos tradutores (meus dedos,
que nesses dias tão repetidos ensejam movimentos tão iguais): o difícil é mesmo
perceber que não há começos esplendorosos porque nós já começamos. Já
tropeçamos perto da parada de ônibus, o chinelo ainda cheira a lamaçal, o texto
não está escrito, nisso já perdemos algumas semanas e não obtivemos a aprovação
desejada na prova, ou obtivemos filando, mas isso ninguém colocará no currículo.
O começo fantasiosamente fantástico não existe, como existem as repetições,
porque nós já começamos. E tudo que vem daí é só uma ilusão de início. Somos
carga do que fomos. Somos um meio monótono com fim fugaz, que simplesmente já o
é, não será. Nada de começos esplendorosos, então... É preciso entender que um
novo dia é só um dia a mais. E que é preciso, apesar de tudo, encontrar, nesse
meio breve-eterno em que vivemos, o fantástico, que, sem esforço, não vai simplesmente aparecer.
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