23 de abr. de 2013

Partida


Depois de remoer por mais algumas horas o que já pensava há semanas, chegou à conclusão convicta de que não poderia continuar. E mesmo que depois de tantas reflexões conseguisse estruturar isso em um discurso coerente, este parecia contradizer toda sua vontade.

Quase era possível ouvir, ao longe – embora oriundo do próprio subconsciente –, o velho mantra: se tentasse outra vez poderia ser diferente...

Mas às vezes vamos embora porque não suportaríamos ver a outra pessoa partir. Possibilidades machucam e ludibriam, essa é a verdade. Nem todos conseguem conviver com elas sem deixar que tomem o controle. Assim, tenta-se colocar um (aparente) ponto final para que não existam reticências que, convenhamos, são a glória e a ruína dos sonhadores.

Sofia bateu à porta, sem ter certeza de que era o que devia ser feito e esperou que ele não aparecesse. Se ele não aparecer, é porque não faz sentido.

Segundos depois, surpreendido, mas parecendo satisfeito, lá estava ele, convidando-a a entrar.

Olhos nos olhos, ela entendeu. Ele jamais entenderia.

Disse que não, não poderia mais entrar. Que seria melhor assim.

Ele não disse nada. Embora estivesse ainda mais surpreso do que estava pouco tempo antes e sua segurança parecesse finalmente se abalar.

Sofia deu às costas e caminhou distanciando-se dele e, em certa medida, dela mesma, do que havia sido. Estava prestes a vivenciar um lado curioso acerca de destruir uma ilusão... Às vezes, é justamente ela que nos sustenta.

______

Só para complementar, música de Herbert Vianna, "Partir, andar", interpretada por Zélia Duncan. 



"Tantas mentiras e no fim
Faltava só uma palavra
Faltava quase sempre um sim
Agora já não falta nada

Eu não quis
Te fazer infeliz
Por tanto não querer
Talvez fiz."



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