15 de ago. de 2013

Sobre o livro "tempo é dinheiro"




Antes de tudo: é um livro que eu adoraria ter escrito, pois toca em pontos que sempre achei sensíveis e, por isso, nunca consegui materializar bem em palavras. Também deixo um alerta: o livro fala em doenças do início ao fim, pois apresenta desde o começo personagens enfermos que fazem você se sentir sortudo por tudo que acha que já sofreu. Ou deveria. Como se não bastasse isso, Lionel Shriver (virei fã!) faz questão de botar lenha na fogueira e externar, em forma de um enredo cru e sarcástico, uma pergunta que todos devem se fazer intimamente em algum momento: quanto vale uma vida? Não no sentido filosófico da coisa. No sentido monetário mesmo. Coloca ainda questionamentos sobre o papel do governo, dos parentes, dos amigos, do trabalho e da nossa própria consciência em face de uma situação com a qual quase nunca nós, seres humanos “cheios de vida”, sabemos lidar.
O livro começa apresentando-nos Shep, o poupador esforçado, que viveu anos de trabalho árduo, sempre sonhando em economizar o suficiente para poder passar o resto da sua vida de maneira pacata em algum lugar distante onde seu dinheiro valesse uma pequena fortuna. Os mais próximos sempre desdenharam dele, a começar da sua esposa Glynis, que sempre encontrava um pretexto para adiar essa “mudança”, pois, no fundo, nunca acreditara nela. Glynis descobre um câncer raro e comunica a Shep no mesmo dia que este comunicara que gostaria de finalmente concretizar seus planos, com ou sem a mulher (com passagens só de ida já compradas para Pemba, na África). Enfim, resumos você encontrará à vontade pela internet. Da minha parte prefiro relatar a sensação de ler (que sempre fica em mim, muito além dos detalhes das histórias que leio), que foi não querer parar de me aprofundar na história e nos personagens. Há identificação, há sensibilidade, há discordância... Enfim, recomendo!
Como gosto de fazer, seguem alguns trechinhos que me agradaram:

“- Não é bom o sujeito receber de cabeça baixa toda bosta que a vida joga em cima dele.
- Nós dois recebemos de cabeça baixa, Jacks. Só que você abaixa a cabeça e solta o verbo.”

“Tentou ter ideias convencionais, imaginar o dia radioso do casamento de sua filha. Mas Amelia estava naquela idade em que sem dúvida se casaria com o rapaz errado, de quem enjoaria rapidamente. Shep perceberia isso, devastado, logo na festa de casamento. Na recepção, imaginava seu brinde aos noivinhos felizes como algo forçado, já se sentindo pesaroso pelo iminente divórcio do casal. Imaginou todos os outros convidados especulando em vão sobre quanto tempo essa união duraria, enquanto cinicamente faziam largo uso do serviço de open bar. Ao posar para as fotos em grupo, Shep as visualizaria sendo jogadas, com muita vergonha, na gaveta do fundo. As flores exuberantes murchariam, em sua imaginação, como nas fotografias em velocidade baixa. Qual uma visão divina, desceria sobre o pai da noite a compreensão de que, em poucos anos, aqueles dois jovens alvoroçados e dedicados já não teriam o endereço atualizado de e-mail um do outro.”

“Ao enfrentar o trânsito da Saw Mill River Parkway, Shep se intrigou com o fato de ter parecido não haver nada para dizer na véspera, e agora haver coisas demais, e muito pouco tempo para dizê-las. Como um mau pressentimento, percebeu que aquela inércia vazia, desperdiçada, seguida por um abarrotamento sôfrego, tardio demais, bem poderia revelar-se um paradigma do futuro dos dois.”

“Pela primeira vez desde aquele jantar delirante no City Crab, Shep teve a impressão de que ela estava feliz. Isso nunca lhe havia ocorrido: que uma das coisas que de mais sentiria falta uma mulher que ‘recebia alento’ dia após dia era dar alento.” 

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